Como novato no trabalho da Trupe da Saúde, passei por um processo de aclimatação nos hospitais, que consistiu em observar os palhaços mais experientes em ação durante algumas visitas, antes que eu mesmo passasse a atuar como palhaço. Em meio a este processo, acompanhei os doutores-palhaços Dr. Caramelo e Dr. Ipsis-Literis a uma visita ao hospital Cruz Vermelha, e lá me deparei com uma situação muito rica para pensar o trabalho dos palhaços nos hospitais.
Ali, como em diversos hospitais, os quartos em que ficam os pacientes permanecem de portas fechadas. Esta disposição faz com que fique difícil para os palhaços descobrirem se o paciente, dentro do quarto, está disposto a recebê-los. Assim, o palhaço passa por uma situação bastante humana e universal: o medo de não ser amado, de não ser aceito. Esta situação é potencializada por dois fatores: o primeiro deles é a intenção, por parte do palhaço, de fazer o bem, de colaborar com a recuperação emocional do paciente e com o trabalho feito pela equipe do hospital; o segundo é o desejo do palhaço, como artista, realizar uma performance que agrade o público, no caso, o paciente. A pior coisa que poderia acontecer em uma visita de palhaço é sua investida causar desconforto ou aversão no paciente – ao invés de aliviar, provocar mais sofrimento.
É por isso é que o palhaço precisa ter muito cuidado e uma percepção aguçada: caso não seja bem-vindo, o palhaço terá que encontrar o momento e o jeito de deixar o quarto.
Foi uma situação como esta que presenciei no Hospital Cruz Vermelha. O Dr. Caramelo e o Dr. Ipsis Literis, ao entrarem em um quarto com dois leitos, se depararam com um deles vazio e outro com uma paciente deitada. Ao lado do leito vazio havia um par de chinelos. Suponho que o jogo dos palhaços tenha se estabelecido a partir da imagem dos chinelos do leito vazio: os palhaços perguntavam “onde ele está?”.
No entanto, a paciente mostrou-se apática e não disposta à brincadeira. Seria o momento de voltar atrás. Então, como que por mágica, surge um mosquito que cruza o campo de visão dos palhaços e Ipsis-Literis dá a entender ter encontrado quem buscavam: seguindo o mosquito com o dedo, dizia “aqui está ele!”. O mosquito voou na direção da porta e os palhaços seguiram-no até deixar o quarto – sempre repetindo “aqui está ele!”.
A sagacidade e sensibilidade dos palhaços, que deixaram o quarto delicadamente, foi um bom exemplo de improviso. Mesmo que a paciente não tenha quisto palhaços, teve com eles um contato gracioso e não traumático.
É importante lembrar que a eventual dificuldade de estabelecer um contato com o paciente pode não ter nada a ver com o tipo da brincadeira que o palhaço propôs ou com alguma aversão preconcebida por parte do paciente. Pode ser simplesmente reflexo de um mal-estar decorrente do problema de saúde que está passando. Ter isso em mente nos reposiciona para o trabalho exigindo do palhaço muito mais atenção para conseguir avaliar e reformular seu trabalho enquanto o realiza e, quem sabe, sempre deixar um rastro de graciosidade por onde passa.
Bruno Mancuso Residente Pelúcia estava em fase de treinamento quando escreveu este texto. Agora, já atuando como palhaço, espera que sempre haja um mosquitinho nos quartos para casos de emergência.