Apesar de discutirmos que no hospital os palhaços não são obrigados a fazer rir (afinal, nem todo mundo está em condições para tanto), e que nosso trabalho é humanizar as relações e deixar o ambiente mais leve, podemos ser pegos de surpresa por uma situação um tanto negativa e, com esperança de mudar as coisas, fazemos um esforço por um sorrisinho ou um toque positivo.
Esses dias, entramos eu e Dra. Bisnaga em um quarto de hospital onde se encontravam duas senhoras nas camas com aparelhos de respiração. A acompanhante de uma delas fingia dormir no sofá (sou expert em sono – adoro dormir – e posso identificar quando é de mentira, ok?).
Assim que demos os primeiros passos para dentro, reparei que havia um pequeno livro sobre uma das camas e não hesitei em pegá-lo para ler e criar algum jogo em cima da leitura, achando que fosse um desses livros do Novo Testamento que sempre entregam nos quartos. Ao trazer o livro a foco, li o título, que dizia algo sobre a dor e essas coisas.
Fiquei na dúvida se continuava com a proposta ou não, porque reforçar a existência da dor pareceu pesado demais para o momento, mas senti que não devia abandonar o jogo uma vez começado. Folheei o livro procurando algo mais alegre para ler, e nada. Só havia coisas como “lidando com a dor” e até mesmo “aceitando a hora de partir”. Lembro que me senti impotente na presença desse livro.
Não desisti. “Trabalharei com o que tenho”, concluí. Busquei nas primeiras páginas algo mais brando e encontrei a seguinte pergunta: “quando a esperança se for, ainda restam a força e a alegria?”. Já tinha dado muito tempo desde que abrira o livro, então foi isso mesmo que li em voz alta.
Mas e aí, o que fazer com essa informação?
Olhei para as duas senhoras e exclamei: “Ahá, então a esperança se foi! Vamos buscá-la!” e, junto com a Dra Bisnaga, abri a porta, trouxe a esperança novamente para o quarto e ordenei que ficasse ali no canto de castigo pra não sair mais. Onde já se viu fazer uma coisa dessas? Perguntei a elas se a força e a alegria ainda restavam, e elas disseram prontamente que sim, mostrando que as haviam guardado ali sob as cobertas (nessa hora já estávamos todos jogando juntos, para minha alegria).
De presente, eu e a Dra Bisnaga então começamos a sacar de nossos jalecos coisas de que o livro não falava ou, vai ver, tinha se esquecido: amor, amizade, saúde… principalmente saúde. E mandamos pra fora do quarto outras tantas que não queríamos mais, como preocupações, dores (Dra Bisnaga tinha dor de cabeça, enquanto uma das senhoras tinha dor na barriga) e até mesmo dívidas (infelizmente acho que nossa operação só serve para coisas menos financeiras, porque as minhas continuaram a chegar).
As duas senhoras participaram ativamente da transformação do quarto, revertendo a mensagem do livro (a acompanhante ainda dormia – sei – quietinha). Saímos do quarto nos sentindo num ambiente mais leve, onde todos nos identificávamos uns com os outros por saber que, apesar de sentirmos dores e termos preocupações (ah, essas dívidas…), podemos sempre compartilhar sentimentos bons e pensamentos positivos. E eu, particularmente, guardei esse momento para me lembrar de que nós, os palhaços de hospital, podemos contribuir com a transformação e (mesmo que não seja uma obrigação) realmente podemos fazer rir quem nem sempre parece estar em condições para isso.
PS: Dr. Lourdes procura médico que cure endividamento crônico.