Não soube o que fazer. Sabia que era uma situação delicada, que os acompanhantes passavam por um momento difícil porque muitos pacientes estavam mal e era possível que não melhorassem.
Fiquei com medo de fazer algo que desrespeitasse esse momento de expectativa, de dor, de medo também. O que nos separava era um vidro fumê, eu olhei de longe, tentei uma interação tímida, mas o que pareciam sentir me afetou muito mais, e me retraí.
Saí do hospital com uma sensação de que talvez pudesse ter ido mais além, olhar nos olhos, talvez um abraço, ou apenas levar algumas cores, pois muitas vezes isso modifica tudo, alivia, e traz um pouco de conforto. Mas sei que tem momentos que não queremos saber de nada, porque a dor consome, e desejamos fechar os olhos e tentar entender, encontrar dentro de nós um consolo, uma solução que ninguém de fora pode dar.
Sentir que vamos perder alguém preenche todo o nosso ser, não sabemos lidar com isso, cultivamos a dor e isso me dói. E nós, que temos como “objetivo” a transformação desse ambiente, algumas vezes somos engolidos e tomados por lembranças e experiências vividas de momentos como esse, de pessoas próximas nessa situação. Isso faz a gente “retrabalhar” o nosso interior, entender ou não entender algumas coisas também.
Uma palhaça sentiu isso esse dia, sentiu que poderia ter abraçado, sentiu a perda de novo, o medo, a tristeza, o cansaço, algo se transformou de um lado do vidro fumê, quem sabe dos dois e eu nem saiba.
Dra. Iva Lourença