texto de Camila/Carmela, com amor,
para Bonito e Pelúcia
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No hospital. Bonito e Pelúcia estão acabando de visitar um quarto, despedindo-se das pessoas. O quarto do hospital é a coxia do teatro. Eles entram no palco como se fosse o corredor do hospital, ainda terminando a ação. Uma senhora atravessa o palco de uma coxia à outra, encontrando-os. Olha-os, sorri, bate delicadamente no rosto dos palhaços e diz “Que bonito o trabalho de vocês”. A senhora sai.
Pelúcia – Sim! E nós recebemos para fazer isso minha senhora!
Bonito – (sem jeito) Recebemos? Fala baixo, meu… o pessoal pode ouvir…
Pelúcia – Ué? E qual é o problema?
Bonito – Porque para ser trabalho precisa ser sofrido, acordar cedo, ser obrigado a trabalhar… entendeu? Daí sim, você merece dinheiros…
Pelúcia – E você acha isso, Bonito?
Bonito – Ah não, “trabalho bonito” foi a senhora que falou…
Pelúcia – Não, Bonito, eu tô falando de você…
Bonito – Eu? Eu gosto do que eu faço, eu faço com prazer… eu faço até de graça!
Pelúcia – Então se faz de gracias não é trabalho cara!
Bonito – Faço com amor! (para a platéia)
Pelúcia – Por amor? É voluntariado!
Bonito – Muito amor! (para a platéia)
Pelúcia – É da igreja!
Bonito – Não, cara, não tô indo pra igreja, não… Deus que me livre…
Pelúcia – Então é pecador, vagabundo, drogado, locke, viciado, psicopata…
Bonito – Pare, Pelúcia, cê tá muito malsonaro…
Pelúcia – Não, cara… você precisa se cuidar… depois vai ficar aí pela rua…
Bonito – Oooo por falar nisso, a gente podia se apresentar no sinal, né? Dizem que dá dinheiro… não tô conseguindo pagar as contas…
Pelúcia – A gente precisa treinar bonito, isso sim! Ensaiar uma música, malabares, facas…
Bonito – (escutando… tem a sacada) … É isso, Pelúcia! Técnica!
Pelúcia – Não, técnicos? Não precisa… depois temos que pagar os caras… talvez o jeito seja a gente mesmo fazer a luz e o som…
Bonito – Não Pelúcia! Temos técnica! É trabalho!
Pelúcia – É mesmo… técnica! (Pelúcia faz triangulação… faz uma gag… tropeça e cai… brinca… os dois riem)
Bonito – (vendo Pelúcia caído no chão) É isso, Pelúcia… o trabalho dignifica o homem… através da técnica ele transforma… ele transforma (com inteligência… tentando se lembrar)… ele transforma a natureza do trabalho…
Pelúcia – A natureza do trabalho?! (fica de pé) É isso! Vamo transformar a natureza do trabalho… que bonito! Isso é bonito!
Bonito – É isso! Vamo pintar tudo de verde… cultivar árvores, plantar nossa própria comida, viver numa comunidade, livres e pelados… ah o amor livre…
Pelúcia – Isso é pré-conceito!
Bonito – Ah larga mão… é brincadeira! E uma parte é verdade mesmo…
Pelúcia – Brincadeira? Se é brincadeira não é trabalho!
Bonito – Puts… lá vem você…
Pelúcia – Precisa ser sério! Político entendeu?
Bonito – Político sério?
Pelúcia – Pois é…
Bonito – Mas é brincadeira! E ponto! Senão, você vai começar tudo de novo… já resolvemos que é trabalho!
Pelúcia – Brincadeira? Brincadeira? É recreio! Fim de semana!
Bonito – Fim de semana?
Pelúcia – Fim de semana!
Bonito – Eu vou trabalhar nesse fim de semana…
Pelúcia – Mas é fim de semana, Bonito!
Bonito – Pois é, meu, mas eu vou trabalhar… e vou de Bonito…
Pelúcia – É mesmo! E eu vou junto!
(os dois saem de cena)