“Desde o dia em que ao mundo chegamos caminhamos ao rumo do sol…”, impossível começar um texto com essa frase e não vir imediatamente em nossa imaginação girafas, zebras, antílopes, pássaros e elefantes caminhando rumo ao horizonte. Claro! Se você é fã e já assistiu ao filme O Rei Leão, da Disney, tantas vezes como eu.
Eu nasci perto de um cinema que hoje já não existe mais. Para chegar ao shopping Itália bastava atravessar uma rua e já tinha acesso às escadas e aos elevadores que me levavam diretamente às portas do cinema. As poltronas ainda eram de madeira e a pipoca era feita em máquinas nas quais a pipoca ficava pulando em um compartimento umas tantas vezes antes de chegar ao saquinho, mas eu evitava as pipocas! Ou seriam elas que me evitavam por falta do dinheiro? Fato é que tudo que eu tinha dava exclusivamente para o bilhete da entrada, ou melhor… Para os bilhetes da entrada, pois devo ter assistido este filme umas 30 vezes, sim, você viu certo: trinta vezes! Tenho em minha imaginação todas as cenas deste filme, assim como os diálogos, canções e por isso mesmo não gostei da versão live action.
Porém como segue a música: “há mais coisas pra ver, mais que a imaginação, muito mais pro tempo permitir”, então, me permita um tempo para ver, digo rever, uma cena que somente hoje me dei conta quase que sem querer, mas antes já te aviso que na continuação deste texto darei alguns spoillers do filme.
Ainda na primeira cena, após todos os animais se aproximarem da Pedra do Rei para aguardar a anunciação do herdeiro, surge o macaco Rafiki do meio dos animais e sobe na pedra para segurar o leãozinho Simba no ponto mais alto para que todos animais possam reverenciar o futuro Rei numa das cenas mais lindas que já vi e que estampava a capa amarela da fita VHS verde que aluguei mais algumas vezes na videolocadora, também no shopping Itália.
Mas não foi dessa cena que me dei conta hoje, então rebobina a fita um pouquinho, alguns minutinhos antes, aí… Pause!! Quando Rafiki, antes de conhecer Simba, abraça Mufasa, que para quem não sabe é o tal Rei Leão, alí num abraço fraterno ambos animais se confortam e se acolhem, um macaco e um Leão quase como se fossem cúmplices de algo. Pois então! Depois de 27 anos esse “algo” me tocou.
Fiquei imaginando: E se Mufasa soubesse tudo que iria passar com Simba no decorrer do filme? Se por alguma razão soubesse que as hienas desencadeariam o estouro dos gnus? Que Simba seria enganado e atraído por seu tio Scar até o meio do vale onde passaria a manada? Que precisaria salvá-lo e por fim que seu próprio irmão o jogaria para a morte pisoteado pelo estouro?
Será que Mufasa já sabia? Será que já sabia que seu filhotinho seria intimidado pelas hienas, que ele fugiria para viver uma vida renegada, que cresceria banido por seu próprio bando de felinos… Será que Mufasa já tinha noção de todas as dores e emoções que seu filho iria passar enquanto abraçava seu compadre macaco?
Voltando à música encontrei pistas de que sim, ele provavelmente sabia: “É o ciclo sem fim que nos guiará à dor e emoção, pela fé e o amor”. Como todo ciclo se repete e se repete, é provável que Mufasa só tenha se tornado O REI, o Leão que estampa a capa de VHS, após momentos de dor e coragem como enfrentar e destronar seu próprio irmão mais velho em algum momento anterior às gravações do filme. Isso justificaria as cicatrizes de Scar e o ódio das hienas.
A verdade é que os roteiristas me fizeram crer por 27 anos que Mufasa era um Leão forte, heróico e imbatível, ou, talvez tenha sido eu que projetei o Rei que eu queria ser… Editando e cortando em minha imaginação as partes de fragilidade e de incapacidade como neste abraço, na simplicidade de um abraço entre um macaco e um leão.
Talvez, ambos, macaco e leão, alí, soubessem a história toda que viria nas próximas horas do filme, e assim, como quem não pode mudar o roteiro, como quem está de mãos, digo… Patas atadas frente à fatalidade de seu próprio destino guiado pela dor e pelo medo, tendo apenas um ao outro como cúmplice, só lhes restasse: seguir… Continuar…
Na mitologia oriental conta-se de um Deus Macaco que teria a função de derrotar demônios e disseminar conhecimento, em algumas óperas e romances chineses este personagem é representado até hoje como um palhaço.
Sabe que não sei, mas acho que fiquei tocado por esse abraço entre o macaco e o leão, o encontro entre o palhaço e o rei no seguir, entre eu e… Eu mesmo… A continuar… “Até encontrar o nosso caminho, neste ciclo, neste ciclo sem fim”.
Abelardo Biloba e Paulo Carneiro