Era um domingo comum em família. Acho que agosto ou setembro. O velho palhaço, sem maquiagem e vestido de si mesmo, estava reunido com sua esposa e filhas. Acho que sua esposa precisou sair para trabalhar. Sim! Isso! Era fotógrafa! Alguns genros ou noras. Pra dizer a verdade, acho que genros ou noras não estavam presentes. Não lembro. Sim! Era dia dos pais! E por isso, foram almoçar com os seus. Sim! Lembrei! Era agosto!
Por… tanto, como há tanto tempo e tantas vezes… iriam almoçar ele, o velho palhaço, a “sóis”… com suas filhas.
Era comum alguma filha levar um prato ou uma receita nova. Mas o arroz não!
Ah! O arroz era sua especialidade! Disso o velho palhaço não abria mão! O arroz precisava ser soltinho! E, desde que ele ficava com as crianças todas as manhãs e tardes quando eram pequeninas, ele foi desenvolvendo cada vez melhor a arte de fazer o arroz soltinho! E como elas gostavam! Na verdade, não sei se gostavam tanto do arroz soltinho, mas como elas gostavam de comer o arroz feito pelo pai palhaço! E ele, vendo elas comendo felizes, passou a acreditar, cada vez mais, que era pelo arroz… soltinho.
Por isso, foi desenvolvendo milimétrica e minuciosamente sua receita.
Dourava o alho com óleo e a cebola com azeite. Ajeitava a cebola, de modo que pudesse ir controlando o tempo de cocção de cada ingrediente, já que cada um tem seu tempo. O alho precisava ser corado levemente, a cebola, a qual fora cuidadosamente cortada na profundidade da própria camada fibrosa, precisava ficar translúcida.
Só, então, como grandes amigos que sempre se emocionam ao se reencontrarem, o arroz vinha se juntar aos seus companheiros e companheiras… de vida. E daí, como consequência do emotivo encontro, apareciam os elementos que formam as lágrimas… o sal e a água. Seguia-se então o baile… da dança que fervia o salão feito panela. Parecido com o que diz o forró: “a poeira sobe e o suor desce”. Mas aqui o suor sobe… e quando todo suor evapora… Agora! Uma coisa só, um prato, o mais nobre e simples dos acompanhamentos! e por isso… talvez, o principal prato nas mesas por aí e por aqui, já pronto para ser… a seres… servido… a serviço. O bom e velho arroz… do bom e velho palhaço que, ao se olharem sobre a bandeja de inox, se viram no espelho… um do outro. Eram metáforas. Eram poesia. Como dizem… o carteiro e o poeta.
E foi, assim, satisfeito do resultado de tamanho carinho, cuidado e amor que o velho palhaço colocou, de bandeja, o prato/espelho na mesa e sentou-se… e olhou para cada uma de suas filhas em volta.
Mas, algo estava diferente naquela mesa… naquela sala de espelhos. Ele contou e recontou! Relembrando toda a história. Contou e recontou! Pois parecia ter algo a mais ali. Esfregou seus olhos ainda ardentes de cebola e vapor… colocou seus óculos… e se curvou em direção ao prato que estava em frente a cadeira… aparentemente… vazia. E foi aí que ele viu: havia um palitinho branco com dois risquinhos vermelhos… eram as cores de seu rosto de palhaço… diante do prato espelho. Então, o velho palhaço tirou seus óculos embaçados, esfregou novamente os olhos molhados (agora não por conta da cebola)… e olhou para sua filha que arrumou a mesa e que, como um espelho mostrando o que ele já tinha visto, lhe disse sorrindo: “Meu velho pai, você agora é… também… avô”.
Hique