Que bom, que gostoso é contar com o parceiro. Com a dupla. Com a Dra. Palhaça que me acompanha no trabalho. É bom poder dizer sinceramente a quem está ao seu lado: “Olha, tomara que eu consiga parar de pensar um pouco nos problemas do dia-a-dia para poder fazer um bom trabalho com você hoje”. E ouvir: “Fica tranquilo, não tem problema se não conseguir também. Vai dar tudo certo”.
E deu. Foi bonito. Foi trabalhoso. Foi atento e gostoso. Foi um dia de trabalho ao lado de uma grande parceira, Dra. Carmela.
Na cardio tínhamos que estar muito atentos: havia crianças bem eufóricas e outras muito sensíveis, algumas até recém operadas. Como lidar com essa dubiedade? Por um lado, deve-se permitir que a criança possa brincar, sorrir, expressar sua alegria que, muitas vezes, aparece de forma super eufórica, nervosa. Ao mesmo tempo, tem que se, de alguma forma, sugerir limites, pois há cuidados que parecem necessários. Apesar das brincadeiras e da bagunça – shh!, não conta pra ninguém – estamos em um hospital!
Era um misto de brincadeira, trabalho, tensão, euforia, sorrisos, choros, manhas, convites, gargalhadas, era como numa festa de aniversário de crianças na casa da vó, em que as crianças brincavam na sala onde estão os cristais e as cristaleiras. Elas se empurrando, correndo, gritando, nos fantasiando, se fantasiando, nos trazendo a realidade, a preocupação, ou melhor, a ocupação mesmo. Sem pré, apenas o momento.
E eu, indo para o trabalho preocupado em ficar pensando demais! Estávamos ocupados com tudo aquilo. Éramos cavalos, cavaleiros, coelho, éramos educadores, domadores, príncipes, princesas, pinguins, éramos palhaços. Brincávamos, pedíamos, atendíamos, fazíamos fila, roda, erguíamos os braços, esquivávamos, aproximávamos, tirávamos fotos. O tempo todo um olhando pro outro, e pra todos.
Em meio a toda bagunça escutei uma mãe, sem deixar de sorrir e de estar com a filha no meio da brincadeira, daquilo tudo, dizer a ela: “Cuidado pra não baterem na tua barriga, hein, que tá operada.” A menina sorrindo, brincando, em meio a bolinhas de sabão que eram caçadas pelas crianças.
Vez em quando olhava em volta e, na porta da enfermaria, pessoas da enfermaria do lado vieram ver o que acontecia. Sorrindo. Ainda que tivesse aquela correria toda na sala de cristais, as pessoas sorriam.
De repente, quando olho de novo para a porta, dois seguranças do hospital vieram ver o que estava acontecendo, se estávamos quebrando cristais. Olhei para eles, que me olharam com cumplicidade e confiança, acenaram e saíram.
Foi tão bom saber desta confiança. Percebi o quanto já fazemos parte dali, o quanto os funcionários do hospital já nos vêem como colegas de trabalho. Somos mais uns. Confiando uns nos outros, ajudando-se, trabalhando juntos. E ela, junto, Carmela, o tempo todo. Trabalhando junto. Compartilhando o trabalho. Percebendo comigo, com ela, com tudo, que organizando podemos desorganizar. E desorganizando podemos nos organizar.
Cada um é um lado do outro. Mas isto é um outro texto.
Hique Veiga Dr. Ipsis Literis