O ‘kintsugi’, uma técnica centenária do Japão que consiste em reparar as peças de cerâmica quebradas, transformou-se numa filosofia de vida. Diante de erros e adversidades, é preciso saber se recuperar e superar as cicatrizes.
A xícara quebrou-se uma, duas, três, e muitas outras vezes.
Sempre que quebrava, lascava ou trincava, ele reclamava, chorava e pensava:
“Agora vai pro lixo!”
Mas ele não jogava, não tinha coragem. Essa era a sua xícara de estimação. A xícara das receitas, a xícara do chá, café, água, suco, cachaça, ou até mesmo para colocar uma flor que pegou do jardim, ou para guardar uma sobra de comida que ficou do almoço.
Sua porcelana deixava todos os sabores mais aguçados e temperados. Os líquidos se mantinham na temperatura ideal.
Ela era perfeita, mas sempre dava um jeito de se jogar da prateleira, do escorredor de pratos, tombava na própria mesa, se punha bem na frente do pé de alguém quando estava apoiada no chão ou se fazia escorregar das mãos de quem quer que fosse.
A xícara gostava de se quebrar e o seu dono gostava tanto dela que amava consertá-la.
E assim ela foi ficando, cheia de cicatrizes. Quem olhava pensava que era um quebra cabeça, um tetris, cada qual suas peças posicionadas dos mais diversos jeitos, alguns perfeitos e outros nem tanto.
Já não se podia colocar líquido até a borda, pois haviam alguns furos ali que podiam deixar vazar o conteúdo. Algo muito quente também não dava, pois a alça estava pela metade, então se corria risco de queimar os dedos. Colocar os lábios? Somente na bordas do lado esquerdo, pois no direito estavam lascadas e muitas feridas foram abertas nos beiços por descuido.
E assim, com algumas restrições e recomendações, ele continuou a usar sua xícara de estimação. Mesmo quebrando e reclamando, ele sabia que a xícara era muito parecida com ele. Imperfeito, feito de muitas memórias e ele amava e valorizava cada pedacinho daquelas histórias.
“A xícara que tu me deste era de porcelana e se quebrou, mas o amor que eu tinha pela xícara não era pouco e ele sempre a consertou.”
Ass
Palhaça Fúcsia