Era cedo e eu sentei na mesa de trabalho dela pra bater um papo. Ela me contou do neto que morava com ela e estava se mudando pro estrangeiro e que ela estava fazendo o visto pra poder visitar. Contou orgulhosa o que ele faz, mostrou foto do gato de estimação, se disse velha demais pra certas ousadias. Eu disse que não, imagina. Toda idade é idade pra experimentar.
Queria eu ficar o dia todo ali com ela, jogando conversa dentro. Falando da família, das coisas vividas, dos medos e de bobices. Eu também já dei tchau, cuidei, fui cuidado, ri, chorei, briguei. Já conjuguei muito verbo na primeira pessoa.
Passa rápido e quando vê são quatro anos na Trupe e muita coisa ouvida. E (quase) tudo é interessante. Às vezes é chato, a fala vem meio truncada, meio cheia de preconceitos (e eu não deixo mais passarem!). Tem também história triste, causo, lição de moral, saudade, piada, pedido – haja ouvido!
Não pude ficar o dia todo ali – não pude ficar nem cinco minutos. Há que se cumprir um horário e ver mais gente, e já me chamavam pra minha visita escandalosa no pessoal da informática. A sensação era que eu ficava pra trás junto dela, falando no café da manhã na cozinha de casa ainda criança-adolescente-adulto. Uma sensação de que me perdia temporal e espacialmente. Mas que depois eu me reencontrava, lá em outra senhora, que tinha outra história. E de repente noutra que ficava em silêncio com o olhar distante. E num piá brincando de boneca. E me perdia de novo, pra logo me reencontrar na enfermeira que queria um abraço, no estudante de psicologia que achava lindo o meu trabalho dos Doutores da Alegria (obrigado, mas sou de outro grupo), no homem que não quis brincar, no que riu de longe e disfarçou, na moça da portaria que ficou triste que essa era a última visita do ano, na filha esperando junto com a mãe idosa o temporal baixar pra poder sair do hospital, na irmã palhaça com quem eu cantava a mesma música sem parar, na outra correndo comigo debaixo da chuva buscar o carro estacionado longe. E depois, em casa, num magro comprido, com marca de nariz de palhaço na bochecha, resto de rímel no olho e que muitas vezes, ele mesmo, acha que está velho demais pra certas ousadias. Me perdendo e me reencontrando e me perdendo e me reencontrando e me perdendo e me reencontrando e me perdendo.
Autor: Bruno Lops / Lourdes