Por desalinhamento planetário, coincidências do intestino, contágio por vias urbanas ou inveja solidária, descobriu-se que, sim, a gravidez da Solara teve um efeito colateral fertilizante em Lourdes.
Eu, que carrego um pouco dele e ele carrega muito de mim (coitado!), pude presenciar o brotamento dessa gravidez, acompanhar os trajetos pelo Hospital de Clínicas, testemunhar o nascimento e acolher o pós-natal-e-ano-novo-também da tão aguardada criança.
Tudo começou há um tempo atrás na Ilha do Sol quando, num vestir de figurino, a barriga de Lourdes aumentou. Aí veio dificuldade de andar, desejo de comer por dois e movimentos ventrais inesperados.
Sua dupla de trabalho, Solara, mandou a real: tá grávido, anjo. Sabia por experiência própria. Difícil dizer de quantos meses e de quem – no hospital, levantaram as possibilidades e abaixaram as expectativas. 12 meses? Possivelmente. Se puder esperar um pouquinho mais, pra já nascer e ir direto pra pré-escola, facilitaria. E o pai, cadê? Não sabiam, mas estavam dispostos a escolher um, se necessário fosse. No ultrassom, o bebê parecia careca – o que gerou muitas desconfianças de paternidade por lá.
Solara também se propôs a ser doula e parto-planner: numa banheira, fogos de artifício, uma pomba voando e transmissão ao vivo pelo Youtube. De tão carinhosa e maternal, até se dispôs a ficar com o bebê de Lourdes na própria barriga, quando o amigo precisasse ir na balada.
E o sexo? Sabe? Sei sim, foi assim que fiz a criança. O bebê chutava bastante (quem ensinou isso pra ele? Eu é que não fui). Enquanto a barriga de Lourdes crescia em formas menos convencionais, a de Solara seguia crescendo redonda e apalpadíssima pelas mãos da enfermagem.
Nomes, nomes! Precisa escolher. Seringa, HCNilson, Sayrajádaqui, Nicolas Júnior, Smaile. E o da Solara, é menino ou menina? Isso quem vai dizer é a criança, ela falava.
A criança nasceu, lá na sala de informática. A do Lourdes, no caso. Não deu pra esperar, já tinha dilatado tudo. Apoiou as pernas na janela e veio, em meio a interesse e indiferença. No fim das contas, das 14 crianças que Lourdes imaginava ter na barriga (ele é muito fértil), só uma era de verdade. As outras eram gases, uma confusão comum, dizem os médicos e as médicas. Porém só na outra semana é que deu pra levar ela pra visitar as amigas no décimo andar – uma amiga inclusive nos recebeu usando um nariz vermelho. Foi lindo.
Linda também a cumplicidade entre Lourdes e Solara. Ele, que não sabia se era mãe-pai-mei, descobria a maternidade com a amiga (ah, então a placenta não vem pra fora junto com o bebê?). Ela, que sabia que era mãe, às vezes disfarçava a barriga pra não ofuscar a gravidez tão natural do amigo. As paradinhas pro xixi, pro lanche, pras perguntas (não, sério, responde mesmo se é enchimento ou de verdade), pra sentir a coluna do bebê (mas dá mesmo?), pra ser linda-maravilhosa, pra questionar os papéis de gênero, pra debater política, pra receber carinho.
Foi passando o tempo e o Sol foi brilhando mais e mais nos corredores, embalado por Leminskis musicados e hidratado com água de côco que era mais prometida do que vivenciada. Até que uma hora o Sol brilhou tanto, tanto, que pintou um arco-íris na parede e iluminou a noite.
Sem pomba, sem fogos de artifício, sem transmissão ao vivo. Com amor, com natureza, com uma mãe pra lá de incrível. E o Lourdes, agora já experiente do próprio parto, manda a real: a casca do mundo pode ser grossa, mas a vida é bonita e é bonita!
Palhaço Lourdes / Bruno Lops
Foto cortesia de Angela Gallassini Picinin