Filha, a mamãe é uma palhaça. Eu sei, você já sabe disso. Eu sei, para você não tem estranhamento nenhum nisso. Quando você nasceu, eu já usava esse nariz e me encontrava nesse lugar há um tempão. Eu que estranho quando penso a possibilidade que é ter uma mãe que é palhaça. Isso está na ordem do incrível para mim.
Eu trabalho no Plantão Sorriso, você sabe. Você já ama cada um dos palhaços e palhaças desse grupo como se fossem a sua família. E sua família é sim formada e completada por essas presenças.
Você assiste aos shows, aos espetáculos. Você já participou de ensaios de processos inteiros. Você já mamou na coxia e já foi embalada e cuidada por muitos outros alguéns para que eu pudesse ser e continuar sendo palhaça.
Você nunca viu uma visita no hospital. E espero mesmo que não veja. Sei que não dá para controlar nada, mas se eu pudesse, te pouparia pra sempre de uma experiência de internação.
As crianças também ficam doentes, filha. Gravemente doente às vezes. As crianças podem morrer antes de ficar adultas. Sei que na sua cabecinha isso é bastante difícil de conceber. Porque a lógica é ficar velho primeiro pra depois morrer. Mas as coisas não são assim. E nada do que a gente faça pode mudar isso.
Mas sabe o que é bem lindo? E é isso que eu queria te falar. Bem lindo é entrar numa pediatria, sendo palhaça e poder lembrar àquelas crianças que elas são crianças, apesar da dor, da doença, do remédio. Lembrá-las de sorrir, de respirar, de brincar.
Eu faço isso há um tempão. E, verdade seja dita, às vezes é um piloto automático. Mas quando eu me permito (e consigo) estar lá, de verdade, é mágico. Sei que você ama magias. E posso dizer com certeza, que um sorriso abrindo no rosto de uma criança que estava chorando ou sentindo dor, é de uma magia indescritível.
E esse é o trabalho do Plantão que você não vê. Você sabe que a gente vai a hospitais. A gente coloca nosso figurino e sai pelos corredores, nos apresentando como doutores e doutoras. E, vai entrando de quarto em quarto. Conversando com cada uma das crianças, com palhaçada, música e brincadeira envolvida. Esperando a magia do sorriso acontecer.
Aneliza
Foto: Arquivo pessoal