Manhã de quinta-feira. Fazia Sol. Menos no Japão. No Japão fazia Lua. Não vem ao caso. No Hospital de Clínicas fazia Sol. E era lá que estávamos o palhaço Tropo e eu, palhaço Bonito. Sem sequer pressentir o que estava por vir!
A primeira porta do corredor do 14º andar (primeira à direita, primeira à esquerda, primeira à direita, para quem vem da escadaria) estava fechada. Achei aquilo um convite, quase um desafio. Com o Tropo na retaguarda, abri a enorme porta. Para suplício de todas e todos, uma porta barulhenta, escandalosa. Para nosso maior suplício, demorou cerca de uma eternidade para abri-la até o fim. E tinha o caminho de volta! E esqueci o Tropo lá fora, mãezinha do menino! Logo após resgatá-lo, acompanhados mais uma vez da barulhenta porta, tomei minhas providências. Como todas reclamassem, pedi ao Tropo que passasse óleo na dobradiça. Questão resolvida, a porta estava ótima, como se diz, “azeitada”! A satisfação era evidente entre as presentes!
E bum! Cabrum! Tiracazum! Ouviu-se uma voz que com clareza e nitidez lançou “Ei! Você tirou minha voz!”. Cada pessoa daquele quarto teve seu tempo de perceber a dimensão da tragédia! Culpa, vexame, humilhação: os palhaços tiraram a voz da porta, que reclamou! A essa altura era impossível sair de fininho e fingir que nada aconteceu, que foi a primeira opção que me ocorreu. Aproveitamos para conversar com a porta, acolher a situação. Decidimos limpar o óleo com um papel toalha, mas nessa hora o porta-papel toalha também conversou com a gente! E também a pia! A pia tinha a mesma voz da porta, acho que são irmãs. Como fiz essa observação a voz da pia mudou na hora.
Entre conversas, risadas e trabalho braçal, a voz da porta voltou em todo seu esplendor. Ficamos todas e todos bobos com aquela situação mágica. Quer dizer, todas exceto uma pequena paciente, que passou o tempo todo com o lençol cobrindo a boca. Acho que era tímida.
Palhaço Bonito
23/05/2020