Era uma vez e não era uma vez um quartinho pequenininho, úmido e frio. Ele, o quartinho, morava feliz dentro da casinha e, apesar de modesto, abrigava grandes idéias e ideais. Um dia, porém, não se sabe se por magia, mistério ou conspiração mundana, uma maldição abateu-se sobre ele: uma de suas paredes resolveu se voltar para o outro lado da divisa e deixou-se tomar pelo lado nebuloso e sombrio que habita a todos nós. Indignada, a parede resolveu desafiar a estrutura do quartinho, vibrava e vibrava para tirar seu sossego, mofou no canto, rachou no cantinho, na tentativa de fazê-lo desistir de ser o insignificante “quartinho pequenininho, frio e úmido, que apesar de modesto abrigava grandes idéias e ideais”. A ambição havia tomado parte de seu coração. A parede, viemos a saber depois, influenciada pelas paredes do lado de lá, aspirava se tornar a estrutura de uma grande empresa e evoluir, afinal, ela foi convencida de que a economia tinha que seguir e avançar e avançar e avançar a todo custo, custe o que custar, mesmo não entendendo muito bem o que isso significava. Tanto fez que conseguiu abalar a estrutura do sonhador quartinho. Curiosamente, logo a parede revoltosa que tanto lutou pelo avanço da empresa e economia a todo custo, custe o que custar, teve de ser derrubada para que o quartinho fosse acoplado à parte da empresa que crescia feito erva daninha nas intermediações da casinha. “É assim mesmo, vão-se os anéis, ficam-se os dedos!”, diziam as paredes de lá, enquanto as de cá choravam pela derrubada de sua irmã de tantos anos. Aos poucos a casinha toda foi tomada e ganhou ares superiores de empresa. Todas riam debochadas ao lembrar do insignificante “quartinho pequenininho, frio e úmido, que apesar de modesto abrigava grandes idéias e ideais”. Passado um tempo de risos de deboche e avanço da economia, a imponente empresa, que agora dominava o quarteirão, foi surpreendida por um incêndio, devido às queimadas na região realizadas com intuito de transformar tudo em pasto e colaborar com o avanço da economia. A casa caiu.
Siriema