Antes de tudo, preciso dizer: até entrar na Trupe eu nunca havia trabalhado como palhaço. Exatamente. Sequer havia colocado nariz de palhaço e o mantido no meu rosto por mais do que dois minutos. Foi uma surpresa quando, muito, muito tempo atrás (mentira, foi no ano passado), o Hique (conhecido por essas bandas como Doutor Ipsis Literis) disse que eu levava jeito para clown e já aproveitou e me explicou que ser palhaço é fazer graça de si. Fiquei curioso e pensei muito sobre isso, em especial sobre o tipo de humor que eu fazia (e ainda faço).
Quando soube da oficina/teste da Trupe da Saúde, em fevereiro, lembrei o que o Hique me disse e me perguntei se eu teria alguma chance. Arrisquei. Sempre tive vontade de participar de um projeto assim tão cheio de carinho, com contato próximo entre ator e público, com um propósito tão importante, e essa me pareceu a oportunidade certa.
Na oficina, cuidei para ser sincero. Sincero com os outros e, especialmente, comigo. Não tentar ser mais e evitar ser menos do que sou, se é que posso medir quem sou em quantidades. Queria estar aberto, tanto para oferecer quanto para receber. Jogando em duplas nas cenas improvisadas, fui percebendo que, quanto mais aberto eu estava, e quanto mais sincero eu era comigo em cena, sem querer ser diferente de quem sou para tentar mostrar mais do que podia mostrar, melhores eram os resultados. E percebi que era mais fácil entrar num estado de atenção total à cena, à situação proposta, e de interesse e respeito ao colega com quem contracenava.
Uma semana depois, na oficina de treinamento (sim, fui aprovado, para minha surpresa e felicidade! – desculpa ter pulado essa parte, achei que já estivesse clara), o César Gouvêa, que participou dos Doutores da Alegria e hoje segue com o Jogando no Quintal, falou sobre como o palhaço tem um interesse genuíno por aquilo que chama sua atenção, e como esta é facilmente despertada. Então foi fácil perceber que, quando estamos abertos para o outro em cena, disponíveis para a situação apresentada, nos aproximamos desse estado do palhaço, de dedicação ao momento. E a graça vem quase naturalmente deste estado, a mesma graça que o Hique falou, a de si, aquela que não é agressiva, que é, se posso dizer, sincera (porque, para mim, é preciso ser sincero para conseguir rir de você mesmo). A graça do palhaço. E que tipo de estado é o mais condizente com este projeto, senão este do interesse genuíno, da valorização do seu colega de jogo e, ainda mais importante, da atenção ao seu público no hospital?
E essa atenção que os pacientes e funcionários recebem dos palhaços produz uma resposta animadora: faz pensar que o mínimo que se faça para alegrar alguém faz muita diferença. Falo isso assim, com certa autoridade, porque visitei hospitais junto da Trupe da Saúde apenas para aprender e assistir o trabalho deles, sem a caracterização de palhaço, sem o nariz vermelho. E pude ver nos olhos e nos sorrisos do público que o palhaço, ali, muda o ambiente, torna-o mais leve.
E nesse processo todo, descobri (e ainda estou descobrindo) a ser palhaço. Aquele que vive o momento e respeita cada olhar voltado pra ele, que retribui com atenção a atenção recebida, e que sabe fazer graça de si, sem vergonha de quem é e sem medo de expor o que sente. No fim das contas, percebi que ser palhaço é colocar em prática as principais lições sobre ser um ator (e até sobre ser humano… pensando bem, acho que isso não se aprende com lições), mas que ainda não tinham ficado assim, tão óbvias pra mim. E aprendi que uma das coisas mais importantes para o ator é a sinceridade, é permitir que as pessoas sejam quem são e saber que quem você é tem importância no seu trabalho (e na sua vida, né?).
Um bom trabalho a todos os palhaços!
Bruno Lops Dr. Lourdes, apesar de altão, é como se fosse mais um baixinho quando está entre os pacientes. Mesmo quando não são crianças. Afinal, o que é essa sinceridade, abertura e estado presente às quais ele se refere senão um delicioso retorno à infância?