Começa com um Olá, bem-vindo seguido de um Sente-se com a mão apontando uma das duas cadeiras em frente à mesa, completado por um O que o traz aqui?, às vezes em sua variação O que posso fazer por você?, que no fundo é a mesma coisa. Até então o momento de maior relação estabelecido comigo foi antes da consulta quando a secretária (por que as secretárias sempre são mulheres?) digitava as informações que eu fornecia a ela, e ganhávamos um pouco de intimidade à medida que ela sabia onde eu moro, o que eu faço da vida, se tomo algum remédio de uso contínuo, qual meu peso, minha altura e se preciso do carimbo pro estacionamento. Mesmo nesse momento carinhoso de compartilhamento unilateral temos interrupções telefônicas, alguém que chega com um documento pro médico ou o próprio médico que aparece para falar alguma coisa mas ainda não me dá oi porque não é o nosso momento, agora é o momento médico-secretária e não se pode perder o profissionalismo, senão já viu, né.
Na consulta preza-se pela objetividade porque a próxima está marcada daqui a 15 minutos – não que eu tenha certeza, mas suspeito pelos horários que estavam disponíveis quando marquei e pelas pessoas que se acumulavam na sala de espera. Agora vamos deitar aqui, me diz, e adiciona um pode tirar o sapato pra me deixar mais confortável. Me examina. Abro a boca, puxo o ar fundo, faço força com a perna, digo se dói. Pronto, pode voltar e voltamos à mesa, onde me prescreve tratamentos. Sobraram 3 minutos desses 15 e ele merece um descanso.
Urbanossauros que somos, quase extintos de nosso próprio tempo, constantemente estamos ameaçados pelo meteoro do sistema, condicionados a produzir mais em menos (Urbanossaurus Eficientis), a acompanharmos as informações para comentar política-arte-saúde-tecnologia-economia-memes (Urbanossaurus Opiniativus) e a aproveitarmos todo o instante (Urbanossaurus Felizis). Não perdemos tempo.
Um amigo meu me fala que “o primeiro passo para gostar de algo é ter a liberdade para não gostar”. Não se gosta obrigado, diz. Refletindo, me veio que o tempo para se estabelecer uma relação não precisa ser longo – pode que num minutinho eu descubra que a secretária já fez curso de palhaça, que o médico conhece um amigo meu e marquemos de sair (pode? é ético?), ou que na sala de espera eu encontre de repente minha madrinha que eu não via faz dez anos e eu a abrace e diga que gosto dela. Só que pra isso talvez eu precise ver o tempo não como imposição, mas como opção, sem culpas. Saber que tenho tempo de dar tempo à relação. Longo ou curto, suficiente para ser perdido com prazer.
Que haja mais tempo nos dias para o acaso, que as relações (elas mesmas, por conta própria) se ajustem no tempo que lhes é necessário e/ou agradável. Ninguém é obrigado a ficar menos nem mais de um minuto comigo, e isso é uma maravilha. A coisa se dá assim, porque quis, porque aconteceu, porque houve consenso temporal entre dois corpos. E os palhaços, que tem com o tempo? Pode ser que não precisem se engajar numa busca veloz por um sorriso, nem demorar-se no quarto 402B depois de vivenciada uma relação mais profunda, só porque no 401B ficamos mais tempo, oras. Redistribuem os minutos, dão tempo para perder tempo.
Autor: Bruno Lops / Lourdes