Sempre convivi com o estigma da mão gelada. Logo após a estupefata constatação – “Nooooossaaaaaaa! Que mão friaaaaaaa!” – aparecem as teorias.
Tem a clássica:
“Ah! Mão fria, coração quente!”
A científica:
“Eu sei o que é. É que o sangue não está circulando corretamente pelo seu corpo.”
A terapêutica:
“Veja, isso demonstra uma dificuldade que você tem de se relacionar, então a mão fria é uma forma de defesa, pra manter o outro distante, entendeu?”
Bem, transito entre todas as alternativas: desde me consolar por, ao menos, ter um coração quente e amoroso, até pensar que sofro de algum tipo de disfunção física e, sei lá, quem sabe de alguma patologia psicossocial.
Apenas suposições…
Mas, naquela terça de manhã , algo diferente se sucedeu.
Estava eu e minha dupla, Iva Lourença, nos corredores do hospital Erasto Gaertner cumprimentando muitas pessoas, quando aconteceu:“Nooooossaaaaaaa! Que mão friaaaaaaa!”
Já acostumada, “sorri e acenei”. Deixei passar. A mulher também pegou a mão da minha companheira que, claro, é super quente. Não só pelo contraste com as minhas, frias e meio úmidas, mas porque a Iva Lourença tem mãos grandes, quentes e expressivas. A mulher ficou aliviada:
“Ah, a dela é quentinha!”
Iva, então, rebateu dizendo que, no friozinho, suas mão eram muito boas para aquecer, mas que no calor, as minhas eram muito boas pra refrescar.
Foi aí que tudo começou. Pequenos flocos de neve nasceram das minhas mãos e caíram nos meus sapatos. Meu nariz ficou completamente branco e minhas roupas coloridas, transformaram-se em um translúcido vestido feito de cristais de gelo.
Descobri quem realmente era: a palhaça do gelo.
Iva, emocionada, revelou-me também sua identidade secreta: era a palhaça do fogo.
A neve branca brilhava no chão.
Bem que eu tentei, mas não consegui me conter.
Corri pelos corredores…
Não podem vir, não podem ver
Sempre a boa menina deve ser
Encobrir, não sentir, nunca saberão
Mas agora vão…
Livre estou! Livre estou!
Não posso mais segurar
Livre estou! Livre estou!
Eu saí pra não voltar
Não me importa
O que vão falar
Tempestade vem
O frio não vai mesmo me incomodar.
Larissa Lima / Palhaça Siriema
Setembro 2018