Esses dias eu acordei dentro de uma bolha de sabão! Isso mesmo, uma cristalina bolha de sabão! … As notícias diziam que eu deveria permanecer ali dentro por tempo indeterminado. In de ter mi na do ! “É uma questão de segurança pública!”… Eu que sou uma pessoa muito obediente… tá, obediente… tá, não tão obediente assim… Mas resolvi cumprir as recomendações… Tudo estava indo bem até que…
… Me dei conta da fragilidade daquela bolha! Suas paredes eram assustadoramente finas! Outros cuidados se faziam necessários… Comecei a planejar cada movimento… Calculava muito bem aonde ir, pois qualquer contato poderia ser uma catástrofe: Um rasante de um beija-flor; Um galho desavisado; Uma grama mal cortada; A mão de uma criança em minha direção; A unha comprida de um amigo descuidado; UM ALFINETE! Já pensou?! UM ALFINETE!!! … Sim, desenvolvi um medo terrível de objetos pontiagudos! … um lápis apontado demais, as facas da cozinha, a agulha do vinil, um olhar intrometido… Sabe? Esses olhares penetrantes, sabe? … Ai, que a deusa me livre desses olhares agudos que chegam a arrepiar a espinha!
Mas me mantive firme, focada e determinada! Escondi as facas da cozinha, tranquei as tesouras nas gavetas, coloquei papel nos cantos dos móveis, gastei as pontas das 36 cores da caixa de lápis de cor… (ficou um desenho interessante, confesso)… dobrei as pontas dos papéis, fechei as janelas, tranquei as portas… Pronto!
Mais calma, comecei a olhar para mim ali dentro… Meus dedos pareciam finos demais, mesmo com as unhas aparadas (eu quase que desamparada)… As pontas dos cabelos… Os cílios… OS PELOS DO SOVACO! … CALMA! Calma… res pi ra! Comecei então a diminuir minha velocidade, era necessário… Tu do co me çou a fi car muuuuuuuu i to leeeen to… Demorei exatamente 72 horas, 48 minutos e 37 segundos para escrever esse texto (até aqui, é claro!)
Em meio àquela lentidão, os dias foram passando… Passei a olhar em volta, o furta-cor da bolha fazia um colorido boniiiiiiito… “Olha, parece um arco-íris… e ele mexe quando eu entorto a cabeça assim…” … Sorrisos começaram a surgir no meu rosto… Estou me acostumando a esse novo tempo, a essa nova perspectiva… Comecei a gostar da delicadeza dessas paredes… do seu tempo desacelerado… das cores realçadas… das formas distorcidas… Tudo é tão diferente olhando daqui! Será? …
Depois de tantos dias, começo a acreditar que vou acabar sentindo falta dessas paredes quase invisíveis que me mantém retida nessa nova realidade!
P. Bisnaga
03/04/2019