Era um dia frio.
Tropo colocou sua touca de lã, ao invés do usual chapéu, para manter o cocuruco aquecido. A touca parecia pequena, mas ele parecia feliz com ela assim mesmo.
Chegamos ao hospital, andamos pelos corredores de sempre, rumo à ala de toda segunda. Tudo parecia cotidiano.
Encontros, olás, saudações, até que nos deparamos com ela: a Freira. O que ela fazia naquele dia pelos corredores e quartos? Orava? Ouvia? Não. Ela distribuía toucas de lã.
Não demorou para que o imprevisto fosse visto. A touca de Tropo, as toucas da Freira. Bastou uma entrada usando os fios de lã que se acomodavam apertadamente na cabeleira para que de palhaços nos tornássemos: fugitivos.
Ei, que touca é essa que você estava usando? – Disse a Freira.
Que touca? – Tropo, esperto, já sumira com ela.
Não foi preciso mais. Entrávamos de um quarto, saímos de outro, e a Freira em nossos calcanhares, intrigada, perplexa, alardeava a boa nova “Eles roubaram uma das toucas de lã!” e emendava, “Elas são para as crianças!”.
Ora ora, como nos passou despercebida essa frase em meio ao caos? Se fosse agora, certamente diria “Somos todos crianças” ou “Vinde a mim as criancinhas” na tentativa do perdão pelo pecado não cometido.
As negociações demoraram a evoluir. Foi uma tarde inteira de fuga, de tentativas nervosas de explicação… Como justificar tamanha coincidência? Como explicar que não éramos culpados mas escondíamos a touca?
Por fim, numa conversa de canto, quase séria, Tropo olhou no fundo dos olhos da Freira e disse “eu trouxe a touca comigo, ela faz parte do figurino”. A Freira, intermediária de grandes confissões, viu a verdade nos olhos do palhaço.
Fomos perdoados.
Ufa, saímos de lá triunfantes, confiantes de um futuro no céu.
Palhaça Solara / Yara Rossatto
Junho de 2018