Tem dias que não é lá muito fácil chegar no hospital. às vezes em lugar nenhum. a vontade que aparece é a de estar em um lugar “nada”. Só pra ser nada junto também. Mas isso ainda é muito difícil porque vivemos juntos, juntas, e de fato é muita gente é muita coisa que acontece, é toda uma construção de sociedade, de tarefas, de julgamentos, de obrigações
E sinto que o corpo a corpa demora um tempo pra saber onde realmente está e até mesmo o que é.
No caso do hospital, eu não posso ir dizendo tudo que penso tudo que sinto¹. Será que posso? E como faz isso? É confuso….. é confuso ter tantas cores é confuso não ter também. Dá vontade de ser pequenininha vontade de misturar, misturar as pessoas, as profissões, a palhaça com o enfermeiro com a médica com o psicologo com a paciente o pacienta com a pessoa da limpeza, qual a diferença quando estamos ali no caminho dos corredores, nos quartos, quando estamos juntos e juntas? Porque o jogo das hierarquias faz questão de aparecer em todos os lugares?
E nesse caminho longo ainda bem que tem uns cafés no meio, danças de salão, anúncios presidencialescos, sucessos de rádio, autógrafos, limpeza de parede, animais na pista, beijos e abraços, que deixam outros ares e abrem o espaço.
A corpa já vai mudando.
In corporando.
(áudio) Se eu fico do teu lado e olho nos seus olhos
E você nos meus
Penteio levemente seus cabelos
E seguro sua mão
Será que vc fica um pouquinho melhor?
Nós somos muita coisa misturada. Somos ao mesmo tempo. No hospital acontece uma coisa em um quarto e logo no corredor já é outra coisa daí abre uma portinha do escritório já é outra relação outra sensação outra conversa. A gente vai camaleando, mas tentando ser você mesma, sempre nesse exercício de se escutar, de respeitar o que se sente. Ser palhaça possivelmente seja isso Ser pessoa nesse mundo possivelmente seja isso. E tem o que eu sinto tem o que x outrx sente tem o que um grupo que caminha junto sente.
Tem um país inteiro sofrendo golpes, desmanches, reformas, lutas e conquistas de muitos anos sendo soterradas, e isso faz parte daquilo que a gente sente, do que levamos/levo para o hospital, para as relações. Não dá para deixar de lado e falar apenas sobre flores. Ou dá. Talvez isso seja uma resistência. Sim, falamos sobre flores, e como falamos, sobre abraços, carinho, estar do ladinho, amor e cuidado, força, falamos e ouvimos, porque de fato é isso que quero que fique, que nos preencha. Entretanto para que seja só isso tem muito caminho pra caminhar, tem muitas coisas para desenvolver e pra isso temos que falar sobre muitas outras coisas. Dizer tudo o que penso que sinto também é abrir para que x outrx diga, talvez assim a gente realmente vá se conhecendo e quem sabe se transformando. Por isso, vamos conversar?
Palhaça Iva Lourença / Má Ribeiro
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1 – Quero falar que nosso corpo nossa corpa é política que a gente pode ser engraçada, bonitinha, alegre, amorosa, com canções de voz doce e tons maiores, e junto com tudo isso não deixar passar atos de misoginia, de preconceito, homofobia, machismo
Não vai dar pra só escutar e engolir a seco porque estamos num hospital e sou uma palhaça que vai lá fazer um trabalho “bonito” Não vai dar.
E escrevo isso dizendo pra mim mesma, porque já passaram algumas vezes, já deixei passar por querer ser agradável, por querer que o amor e o cuidado venham em primeiro lugar….mas não deixar passar essas coisas é sobre amar e cuidar.