Entra no quarto já com o anúncio clássico MAS ELA TEM MEDO DE PALHAÇO e, no fim das contas, quem mais assusta é a mãe com essa frase. Ou então passa no corredor e de longe escuta outra mãe falar PARE DE CHORAR OU EU CHAMO O PALHAÇO PRA PEGAR VOCÊ. E a moça do administrativo cujas amigas pedem POR FAVOR, PASSEM LONGE PORQUE ELA ESTÁ CHORANDO SÓ DE SABER QUE ESTÃO AQUI.
Quem também tem medo é o palhaço. Ele, assim como você e eu, tem um coração que bate mais rápido quando se assusta, pernas que tremem no escuro das possibilidades e um estômago pra forrar com a comida que seu salário pode pagar. É um de nós, acredita? E qual é esse medo do palhaço, você me pergunta.
Vixe! São muitos. Tem o medo de estar incomodando, em especial quando alguma pessoa parece ter medo de ser incomodada. Passo a passo vai chegando perto, esperando um contato menos fechado, só pra dizer VIU? TA TUDO BEM, ELE NÃO MORDE (isso é o palhaço falando pra ele mesmo sobre a criança, enquanto a criança provavelmente pensa algo parecido).
Depois tem o medo de ser um palhaço ruim do tipo SERÁ QUE ESTÃO GOSTANDO? que tem a ver com a insegurança por trás do nariz vermelho, não importa quantos anos tem de estudo. Tem também o medo de não escutar a criança como ela gostaria de ser escutada, e tem o medo de que esses medos todos se sobreponham ao encontro que está acontecendo no momento (e a coisa toda trave).
E quem sabe precisa travar pra algo novo surgir daí, transformar esse medo, esse travamento em algo não exatamente bom nem ruim, mas inesperado. Respeitando os medos e deixando eles darem uma volta quando não forem tão necessários, enquanto a gente se diverte sem saber o que vai acontecer (porque não sabemos mesmo). Enquanto a gente se familiariza com o desconhecido mútuo.
Os medos vêm, vão e até fogem do hospital. Vive-se uma cultura do medo. Digo, vive-se com medo da cultura – e da arte.
Não sabemos bem o que esperar desses encontros (além do fato de que tem um palhaço ou palhaça envolvida e que acontecem no hospital), mas eles transformam. No vazio ali da hora, na ansiedade de entender o que se sucede entre olhares e corpos, entre saúdes e doenças, alegrias e tristezas até que algo nos separe, abre-se o espaço pro fluxo do choro à risada e, inclusive, da risada ao choro. A transformação das emoções e o transbordamento de… nada em especial.
A cultura e a arte não são exatas, borbulham na inexatidão dos afetos. No medo do novo ou de novo com medo ou com medo novo ou comendo o ovo. O cotidiano desloca-se das relações pré-estabelecidas e pré-relaciona novos cotidianos deslocados do estabelecimento.
Por isso elas andam assim, temidas. Porque arte e cultura não conseguem ficar só no quadradinho da certeza. Elas não são boas ou ruins: elas transformam nossas verdades, refogam nossos medos, sacodem nossos palhaços. Elas descem, sobem, empinam e rebolam. E elas não se conformam com as guilhotinadas hierárquico-demagógicas-tira-daqui-bota-lá provenientes de terno-engravatistas da esfera municipal-estadual-federal (e chegam mais e mais).
Ta confuso, né? Eu temi não fazer sentido e de repente me vi temendo fazer sentido algum. Nos encontramos por aí, enquanto por aí estivermos.
Palhaçx Lourdes / Bruno Lops